ESGOTO A CÉU ABERTO

A série VALE O ESCRITO: A GUERRA DO JOGO DO BICHO pela GLOBOPLAY é a continuação natural de uma outra série, Dr. Castor de 2001 na mesma plataforma. Ou seja, como o jogo do bicho tornou-se uma poderosa instituição pecuniária a margem do Estado, corrompendo toda a sociedade brasileira, mais especificamente a cidade “maravilhosa”. Dr. Castor conta a história do bicheiro Castor de Andrade e sua influência perniciosa no Rio de Janeiro.

Nela aprendemos de onde e quando surgiu jogo do bicho e como o advogado Castor de Andrade, usando todo seu charme e carisma se enveredou não somente pelo lado de uma simples contravenção, mas do crime pesado também. Tudo isso é claro com a total conivência do Estado corrupto brasileiro e de um população que aceitou passivamente ser corrompida por um mafioso tropical. Para cometer seus crimes, Castor de Andrade ancorou-se nas duas instituições culturais mais poderosas no Brasil. O Carnaval e o futebol. Castor de Andrade lavou dinheiro e dominou não somente o subúrbio carioca, mas a cidade do Rio de Janeiro como um todo durante mais de 30 anos.

VALE O ESCRITO: A GUERRA DO JOGO DO BICHO amplia a discussão sobre contravenção, a criminalidade e as instituições do Estado criadas exatamente para zelar pelo bem estar dos cidadãos. A primeira temporada contata em 7 episódios e narrada em “off” pelo jornalista Pedro Bial entrevista vários protagonistas contando suas versões desta sangrenta história e suas relações com os bicheiros mafiosos. A juíza aposentada Denise Frossard que participou do documentário Dr. Castor fala novamente da naturalidade com que os bicheiros se relacionavam não somente entre si dividindo equanimente as regiões no Rio de Janeiro para o seu total controle, mas também como eles se relacionavam com os vários setores importantes e influentes da sociedade civil e militar se auto declarando banqueiros e empresários como se isto não fosse incompatível.

Alguns dos protagonistas demoraram mais de dois anos para finalmente falarem na frente da câmera. Os relatos acompanhados de imagens muitas vezes fortes e sangrentas mostram a frieza dos bicheiros em manterem seus territórios custe o que custar. Bicheiros, seus herdeiros, capangas, ex policiais e alguns jornalistas descrevem o “modus operandis” e a dinâmica dos negócios que geram milhões de reais anualmente. Em muitos dos depoimentos tantos os homens como as mulheres trocam acusações mútuas. Em nenhum momento nestes depoimentos ouvimos qualquer tipo de arrependimento ou “mea culpa” por suas famílias estarem envolvidas com o crime. Fica claro em alguns depoimentos, como por exemplo o do ex policial Fabrício Queiros, amigo de longa data da família Bolsonaro, que os milicanos (ex militares) no Rio de Janeiro não atuam fora das leis e regras que regem o estado de direito e a sociedade. São estes policiais que sobem os morros, entram nas favelas cariocas e nos cortiços desrespeitando qualquer direito humano ou civil de seus moradores. Usam fardas como um escudo protetor para matarem indiscriminadamente a quem eles veem como “criminosos” e não cidadãos.

Muitas entrevistas foram feitas nas residências luxuosas das famílias destes mafiosos. Ou seja, nada foi confiscado pelo Estado como sendo propriedade e bens adquiridos ilegalmente. Assassinatos que deixaram a cidade do Rio de Janeiro estupefada são analizados por ex policiais, familiares e também jornalistas. Manchetes de jornais adicionam uma camada a mais de verniz numa trama que sem dúvida alguma apodrece todas as relações entre o Estado e a sociedade. Temos a impressão ao assistirmos este importante documentáro que tudo é permitido. Na verdade não há uma clara separação entre o certo e o errado, o que é moral ou imoral e qual é o verdadeiro papel do Estado.

O sangrento episódio número 5 mostra como a família Bosonaro sempe esteve associada aos milicianos no Rio de Janeiro. Um dos vídeos neste episódio mostra o então deputado Jair Bolsonaro defendendo enfaticamente os policiais. Inclusive questionando a veracidade de certas acusações contras os abusos de orgãos como o BOPE (BATALHÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS) do Rio de Janeiro. Para o ex presidente, mesmo que os policiais fossem culpados por abusos eles não deveriam ser processados criminalmente. Neste mesmo episódio ficamos sabendo da ascenção e queda do policial do BOPE, Adriano Magalhães da Nóbrega, um ex capitão da corporação sem qualquer escrupúlo moral que invadia as favelas para torturar e matar em nome do Estado

A influência do BOPE é tao grande que mesmo depois de preso acusado de torturar e matar um jovem cidadão carioca (chamado de elemento por policiais), Adriano Nóbrega foi condecorado com a medalha Tiradentes por Flávio Bolsonaro enquanto estava na cadeia. Flávio Bolsonaro, diga-se de passagem, esteve envolvido na rachadinha (esquema de corrupção na ALERJ). Há enormes suspeitas que Adriano da Nóbrega estava envolvido na morte da vereadora Marielle Franco em 2018. Ele fazia parte do nefasto “Escritório do Crime”. Adriano Magalhães da Nóbrega fugiu do Rio de Janeiro para a Bahia. Após confrontar os policiais do BOPE baiano que foram buscálo para levá-lo de volta para o Rio de Janeiro, ele foi “executado” com vários tiros dentro de um sítio a mais de 3 horas de Salvador. Ele deixou esposa e uma filha.

Ao fim dos 7 episódios fica bastante claro que o que começou como uma maneira de arrecadar fundos para manter o zoológico do Rio de Janeiro aberto no início do século XX, tornou-se uma instituição poderosa com grandes tentátculos corrompendo todas as relações do Estado e sua população a qual tornou-se refém de um grupo de mafiosos sem qualquer escrúpulo e ou ética. Durante a era do bicheiro Castor de Andrade havia um certo pacto entre os bicheiros de não invadirem territórios alheio. A nova geração de mafiosos jamais acredito neste pacto.

A serie VALE O ESCRITO: A GUERRA DO JOGO DO BICHO mostra a carnificina em nome do poder. Depois de assistir aos 7 episódios quase que preciso usar àgua e sabão para “limpar o sangue que respingava da tela do meu computador pessoal”.

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS (1942-2022)

Como presidente de Angola o senhor Santos pôs fim a sangrenta guerra civil no país. Ele também esteve a frente do enorme crescimento econômico que infelizmente beneficiou muito mais seus familiares e seu círculo íntimo de amigos do que pequeno país africano como um todo.

Sob seu comando a Angola lutou e venceu uma guerra civil contra os rebeldes apoiados pela África do Sul e pelos Estados Unidos, mas apoiado por insurgentes desafiando as minorias brancas no poder em Namíbia e na África do Sul. Entretanto, José Eduardo dos Santos foi acusado de corrupção e nepotismo. Já o crescimento econômico durante sua longa presidência favoreceu além da sua família um enorme gupo de conselheiros.

Sua filha, Isabel dos Santos, no comando da petrolífera estatal tornou-se a mulher mais rica do continente africano, com um uma fortuna segundo a revista FORBES estimada em US$3.5 bilhões. Seu filho José Filomeno de Souza dos Santos, estava encarregado de comandar o fundo de indepêndencia avaliado em quase US$5 bilhõess.

José Eduardo dos Santos era visto como um político muito astuto, inclusive influenciando países como a República Democrática do Congo e a Namíbia para garantir sua influência e poder em Angola. Seu país virou um porto seguro para insurgentes sul africanos do Congresso Nacional Africano (CNA) lutando contra o apartheid na África do Sul e do SWAPO (Organaização das pessoeas da Africa do Oeste) lutando contra o controle da Namíbia pela África do Sul.

Assim como seu predecessor, Agostinho Neto, o primeiro presidente após a indepêndencia, José Eduardo dos Santos buscou e conseguiu ajuda militar de Cuba numa época quando as grandes potências mundiais usavam a África como um “proxy” da Guerra Fria para fins de uma guerra ideológica. Sua diplomacia foi central para o acordo feito em 1989 entre a África do Sul, Cuba e Angola que permitiu a Namíbia declarar indepêndencia sob o governo SWAPO em 1990 depois da retirada das tropas cubanas de Angola.

O senhor dos Santos ficou a frente de Angola como presiente por 38 anos desde a morte de Agostinho Neto em 1979, 4 anos depois da total indepêndencia de Angola das garras de Portugal ate 2017 quando ele deixou a presidência voluntariamente. Porém, não deixou a liderança do partido político MPLA, a posição que ele abdicou um ano depois.

Suas décadas como presidente angolano certamente o colocou ao lado de famosos ditadores africanos como Roberto Mugabel do Zimbabue e Teodoro Obiang Nguema Mbasogo da Guiné Equatorial. Quando ele finalmente deixou a presidência, foi substituido por um sucessor escolhido a dedo, Jõao Lourenço, o ministro da Defesa.

Enquanto a frente do país o senhor dos Santos usou seus poderes como presidente para favorecer seus familiares e amigos do seu círculo pessoal. Apesar da grande riqueza em em recursos naturais como o petróleo e diamantes, Angola ficou sendo reconhecida mundiamente por sua enorme disparidade social. Carros caros importados inundaram as ruas da capital Luanda e uma minoria de angolanos ricos passavam suas férias em resorts luxuosos portugueses enquanto a vasta maioria da população subsidia com migalhas sem cuidados de saúde básicos, muito menos qualquer esperança de um futuro melhor. Tanto sua filha, Isabel dos Santos, como seu filho, José Filomeno dos Santos foram acusados de enriquecimento ilícito pelo atual presidente.

José Eduardo dos Santos nasceu em Luanda no dia 28 de Agosto de 1942. Filho de AVelino Eduardo dos Santos e Jacinta Jose Paulino. Ainda na escola entrou para o Movimento para a Libertação de Angola (MPLA), mas ele fugiu para o Congo/Braziville em 1961 e tempos depois mudou-se para o Azerbajão que na época ainda fazia parte da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (USSR). Ele estudou engenharia do petróleo e comunicação de radar no instituto de Quimica e Óleo de Baku, a capital do Azerbajão.

Em 1970 José Eduardo dos Santos retornou a Angola e juntou-se ao Movimento das forças MPLA lutando contra os portugueses como um operador de rádio na área de Cabinda. Depois de golpe de Estado em Lisboa em 1974, o império colonial português começou a ruir. Angola finalmente conseguiu sua indepêndencia em Novembro de 1975./NYT