BATALHANDO CONTRA A INVISIBILIDADE E AS MICRO AGRESSÕES DIÁRIAS.

Giulia Gayoso e Juan Paiva protagonistas do filme M8 – Quando A Morte Socorre A Vida dirigido por Jefferson De.

Logo de saída no longa M8 – Quando A Morte Salva A Vida, o mais recente longa do diretor Jeferson De, podemos inferir claramente que ele usa sua luva de pelica para bater no rosto de muita gente no Brasil. O eclético cineasta usa seu olho mágico por trás da câmera para chacoalhar principalmente aqueles que ainda insistem na falácia da Democracia Racial, Meritocracia e os que insistem em dizer que o Candomblé é o culto de uma raça primitiva. Adaptado livremente do livro homônimo escrito por Salomão Polakiewics, M8 conta a história de Maurício (Juan Paiva), um estudante de medicina e sua batalha contra sua invisibilidade e as Micro agressões sofridas diariamente.

No início do filme vemos o jovem estudante correndo afoito pelos corredores da Universidade de Medicina no Rio de Janeiro para chegar a sua sala. Quando finalmente encontra sua classe e entra na sala é recepcionado por um olhar desdenhoso do professor que demonstra que aquele não era o lugar para o estudante negro. Uma alusão clara de que muita gente no Brasil ainda acredita que os negros estão invadindo certos espaços privilegiados. Maurício é o único estudante negro na sua turma.

Quando dois amigos oferecem uma carona, e ele a princípio recusa, sabemos o motivo. Sua recusa tem a ver com o abismo social e racial entre a zona sul carioca branca, comunidades e as periferias negras. Este abismo fica em evidência quando Maurício está chegando em casa de carro na companhia dos amigos e é perguntado por um deles se o local onde sempre morou com a mãe não é perigoso.

Mariana Nunes e Juan Paiva. Mãe e filho no longa metragem dirigido por Jeferson De.

O filme que tem duração de aproximadamente uma hora e meia abordando assuntos polêmicos que o Brasil até pouco tempo se recusava a discutir abertamente. Como por exemplo, o não reconhecimento de pessoas negras como cidadãs com plenos direitos no país. A abordagem truculenta da polícia sem qualquer motivo aparente, sempre tendo o jovem negro como algum criminoso em potencial. O racismo manifesto mostrado claramente na interação entre Maurício e a mãe de sua amiga Suzana (Giulia Gayoso). O espanto da mãe dela ao se deparar com um jovem negro estudante de medicina dentro de sua casa. O tratamento dispensado ao jovem pela empregada uniformizada demonstra o racismo subliminar muitas vezes internalizado entre negros no Brasil. Tudo isso sendo dissecado magistralmente mostrando o cadaver brasileiro.

M8 é o termo designado para classificar aquelas pessoas que não foram identificadas pelo Estado após suas mortes. Seus corpos negros são enterrados numa vala comum no cemitério público. Antes de serem enterrados estes corpos são usados para estudos de anatomia. Na relação de Maurício com estes corpos negros sendo dissecados está a chave de toda sua aflição. Tormento que ele não consegue verbalizar com sua mãe. Uma enfermeira e mãe solteira que fez todo tipo de sacrifício para ver o filho numa instituição de ensino superior. Ele começa até mesmo questionar sua própria negritude e sua capacidade intelectual para estar na Universidade.

Enquanto os outros estudantes e até mesmo o professor agem naturalmente com o número de corpos negros sendo estudados, Maurício não consegue deixar de ver nestes corpos sua própria negritude. A cena do ritual do Candomblé onde ele tenta buscar respostas para sua angústia é de um lirismo ímpar que certamente seria banalizada nas mãos de um outro diretor menos competente. A aflição do jovem estudante somente desaparecerá quando ele finalmente cumprir seu papel em realizar o enterro de um dos corpos sendo estudados com todos os rituais sagrados. Um dado assustador apresentado pelo diretor e que certamente é de desconhecimento de muita gente é a morte de um jovem negro a cada 23 minutos no Brasil. Um verdadeiro genocidio em curso.

PS: – Neste filme o cineasta presta uma singela homenagem a vereadora Marielle Franco assassinada brutalmente por milicianos no Rio de Janeiro em 2018.

M8 – Quando A Morte Salva A Vida (2019)

Direção – Jeferson De

Duração 88 minutos

Streaming – Netflix