ESTANTE LITERÁRIA

Uma Coragem Sem Precedente

Quando o militar Issac Woodward embarcou no onibus inter-estadual da companhia Greyhound na cidade de Augusta no estado da Geórgia, a caminho de sua casa na Carolina do Sul, sua participação como combatente na Segunda Grande Guerra Mundial descarregando navios de guerra sob um intenso fogo inimigo ainda estava bastante viva na sua memória. Vestindo seu uniforme militar, Isaac perguntou ao motorista durante o tratejo se poderia usar o banheiro na próxima parada. Por este simples pedido, o militar foi rudemente admoestado. Isto fez com que o jovem militar de apenas 26 anos de idade respondesse a altura ao insulto: “Droga! fale comigo como estou falando com voce. Sou um homem como voce”. Assim que o ônibus parou na cidade de Battlesburg na Carolina do Sul, o rude motorista acionou dois policiais que arrancaram o senhor Woodward do ônibus. Um deles inclusive usou a ponta do seu cacetete para socar um dos olhos do militar deixando-o cego nos dois olhos.

Se a radiante imagem dos EUA ao redor do mundo era a de um país que entrou na Segunda Grande Guerra Mundial para lutar contra atrocidades acontecendo na Europa perpetradas pelos Alemães nazistas. Para os soldados afroamericanos que voltavam as suas cidades depois do combate, esta imagem era no mínimo embaçada. O infame incidente envolvendo o militar Isaac foi apenas mais um de vários outros casos mostrando as indignações e humilhações sofridas por soldados afroamericanos depois de retornarem da Europa para os Estados Unidos. Lembrando que os soldados afroamericanos lutaram em batalhões segregados.

A lendária Organização Para O Avanço Das Pessoas De Cor (NAACP em inglês) com a ajuda de celebridades como o diretor Orson Welles que usou seu programa de rádio numa campanha para processar o policial envolvido na agressão do jovem militar, trabalhou intensamente para mostrar ao país esta e outras atrocidades contra os cidadãos afroamericanos. No ótimo livro “Unexampled Courage: The Blinding of Sgt. Isaac Woodard And The Awakening Of President Harry S. Truman And The Judge J. Waties Waring”, o autor e juiz federal Richard Gergel argumenta magistralmente que este incidente foi crucial em provocar o despertar moral de duas figuras notáveis em avançar a causa dos direitos civis dos afroamericanos na América pós guerra.

O presidente Harry S. Truman estabeleceu uma comissão para estudar o problema dos direitos civis e acabou emitindo uma ordem executiva desegregando as Forças Armadas em 1948. O juiz J. Waties Waring emitiu uma série de medidas que torpedearam as leis segregacionistas “Jim Crow” na Carolina do Sul, incluindo sua discordância num caso de segregação escolar que ajudou imensamente na passagem para a histórica decisão da Suprema Corte desegregando todas as escolas públicas do país no caso “Brown vs Board of Education” de 1954.

Richard Gergel é um juiz distrital na cidade de Charleston na Carolina do Sul. Por causa do seu conhecimento jurídico, o autor nos informa detalhes importantes tanto político como legal por trás do processo contra o principal agressor do senhor Isaac, o chefe de polícia de Battlesburg, Lynwood Shull. As dificuldades em conseguir uma sentença de culpado neste caso eram enormes. Entre elas estava fazer com que um juri composto por pessoas brancas condenasse um policial branco por um crime contra uma pessoa afroamericana.

O militar Isaac Woodard ao lado de sua mãe segurando o jornal “Trabalhador Diário”

O sistema de lei federal foi montado para preservar a supremacia branca sulista. O procurador geral foi uma indicação política e devia seu trabalho aos senadores brancos segregacionistas. O departamento de justiça dependia das investigações dos funcionários locais do FBI, os quais eram todos sulistas e cujo empregos como investigadores dependia de um trabalho em conjunto com policiais locais como por exemplo o policial Lynwood Shull.

Segundo Richard Gergel, absolutamente nada no histórico tanto do presidente Truman, como do Juiz Waring, indicava que algum deles tinha algum papel significante na luta contra o racismo na América. A família do presidente com raízes no estado de Missouri se indentificava culturalmente com o Sul, e ambos avós foram donos de escravos. O juiz Varing vinha de uma família importante em Charleston e ganhou o posto de juiz depois de comandar a campanha política de uma pessoa notoriamente racista na Carolina do Sul.

Apesar do deplorável incidente envolvendo o militar Isaac Woodard, fica claro no livro que o papel tanto do presidente como o do juiz Waring não foi assim tão magnânimo como pode parecer. Os pronunciamentos do presidente anunciando sua comissão se referia a vários incidentes sobre a violência contra os afroamericanos no Sul. A situação do juiz Waring não foi menos complexa neste episódio. Sua evolução relacionada ao tema racial coincidiu com sua vida pessoal. O juiz Waring de 64 anos divorciou sua esposa de 32 anos de casamento para casar-se com a filha divorciada de uma magnata da área textil do estado de Connecticut, para a enorme insatisfação da elite racista de Charleston que prontamente os afastou de seu meio.

Um ano antes do julgamento do policial Lynwood Shull, o juiz Waring presidiu um caso envolvendo disparidade salarial entre professores negros e brancos. Esta caso o fez perceber que a elite de Charleston estava envolvida na defesa das leis de “Jim Crow”. Isto passou a ficar bastante claro para o juiz enquanto ele estudava esse caso./WSJ

Unexampled Courage

Autor: Richard Gergel

Editora: FSG

Páginas, 324 – Preço, US$27