
Quando os pais fundadores da América se reuniram naquele histórico dia em 17 de Setembro de 1787, na Filadélfia, para ratificar a Carta Magna e fundar um governo de alcance nacional, a escravidão, segundo os historiadores, poderia ser considerada como a enorme bruxa pairando nos ares congratulatórios do batismo. Apesar de nunca ser mencionada explicitamente na Constituição, esta “Peculiar Instituição” sempre esteve presente de uma forma não muito abstrata em seus princípios normativos. Usando eufemismo como “outras pessoas”. Esta foi a formula “discreta” encontrada pelos fundadores para aplacar a ira dos estados escravocratas pondo fim a dispuda entre os estados para a ratificação da Constituição.
A escravidão estava tão instrinsecamente enraizada na formação do novo país que somente dois dos seus primeiros doze presidentes não possuíam escravos. Os cidadãos da Nova Inglaterra, John Adams e seu filho, John Quincy Adams. Podemos ter uma dimensão melhor do quanto a escravidão foi importante na criação e acúmulo de riqueza nos Estados Unidos, principalmente se analisarmos o que representou a cultura do algodão na balança comercial do país.
Até mesmo a abolicionista Beecher Stowe, autora do libelo contra a escravidão, “A Cabana do Pai Tomás”, não pensou duas vezes em alugar dois jovens negros escravos para ajudá-la nos afazeres domésticos relacionados aos cuidados das crianças quando ela ainda morava na fronteira da cidade de Cincinnati. Este é um legado que permanece com o país até os dias de hoje. O espetacular livro “Supreme Injustice: Slavery in the Nation’s Highest Court” (Suprema Injustiça: Escravidão na Mais Alta Corte da Nação) do veterano escritor Paul Finkelman, argumenta persuasivamente que este sombrio legado poderia ter sido evitado ou pelo menos mitigado.
Finkelman convincentemente afirma que tivessem os três influentes juizes da Suprema Corte antes do período da Emancipação, John Marshall, Joseph Story, e Roger B. Taney, alinhado suas “jurisprudências da escravidão” com os ideais dos fundadores da nação – Liberdade, Igualdade, e Justiça, ao invés do que o autor chama advogar para a “Constituição pro escravidão”, uma solução política poderia ter sido alcançada.

Finkelman argumenta ainda que cada um destes ilustres juizes via a oposição a escravidão como uma grande ameaça contra a novata e ainda frágil Constituição e a ordem política. Por causa desta visão comum, quase que uniformente decidiram os casos que apareciam a sua frente reforçando suas posições em relação a escravidão na organização política da America, geralmente ampliando os princípios legais no processo, e ao fazerem isso, os juizes certamente armaram o palco para o advento da Guerra Civil.
Professor de Direto e atual presidente da faculdade Gratz no estado da Pennsylvania, Finkelman começa sua tese com o presidente da Corte, o juiz John Marshall (1801-35), uma figura prominente no Direito americano e que até recentemente escapou ileso de qualquer criticismo relacionado ao tema da escravidão e raça. Um homem do estado da Virginia, o juiz Marshall era dono de mais de 150 (cento e cinquenta) escravos e até sua morte, comprando, vendendo e até mesmo dando-os de presente durante toda sua vida, além disso ele era um membro ativo da Sociedade da Colonização da America, cujo programa velado era apoiar a deportação dos negros livres de volta para a África.
Sob este pano de fundo Finkelman analisa o papel do Juiz Marshall em ações trazidas por negros pedindo suas liberdades de acordo com as leis federal e estadual, bem como em ações sob júdice federal regulando o comércio transatlântico de escravos. Baseado nestas resoluções finais, o senhor Filkelman concluiu que em nenhuma das vezes o juiz Marshall ficou ao lado da causa da liberdade, sempre anulando as decisões estaduais onde os juizes sulistas e os jurados libertavam os escravos litigantes.

Bem menos conhecido fora dos círculos jurídicos, o juiz da Corte, Joseph Story (1812-45) era um republicano da Nova Inglaterra que uma vez empossado como juiz na Suprema Corte caiu sob a enorme influência jurídica do juiz Marshall abraçando totalmente sua visão nacionalista. Inicialmente, de acordo com Finkelman, o juiz Story expressou seus princípios anti escravidão em várias opiniões importantes. Entretanto, aquela promessa logo desapareceu. Story se alinhou a Marshall em casos de liberdade pessoal e escreveu uma opinião bastante cautelosa no famoso caso do navio Amistad, libertando os amotinados africanos baseado numa lei espanhola e numa obrigação de tratado doméstico ao invés do princípio natural da lei.
Para Paul Finkelman, o ponto baixo na história da carreira de Story veio enquanto a intensificada crise secional testou o nacionalismo do juiz no caso Prigg vs Pennsylvania (1842), Story esforçou-se ao máximo para preservar a União mantendo o direto dos escravocratas de recapturarem os escravos fugidos sem o devido processo legal do governo através da lei do escravo fugido de 1793 (Fugitive Slave Act of 1793). Naquela infame decisão, o juiz também achou inconstitucional leis dos estados do Norte que proviam audiência legal para os fugitivos e protegia negros livres de raptos.
O juiz Roger B. Taney (1836-64), um ardente regionalista e também membro da elite escravocrata de Maryland, proporcionou o alvo mais facíl para o autor. A maior parte dos seus ataques gira em torno da notória decisão no caso Dred Scott vs. Standford (1857), um processo onde Scott buscava sua liberdade baseada na viviencia num território livre. No Caso de Dred Scott, Taney explicitamente buscou resolver a crise secional no termo expansivo mais pro escravidão disponível. No fnal, a decisão afirmava que negros – incluindo negros livres não tinham direito de cidadania, incluindo o direto de processar alguém numa corte federal. Entretanto, o juiz ultrapassou o limite necessário relacionado ao caso para afirmar que a legislação federal excluindo escravidão dos territórios transgridia a proibição constitucional de sacar propriedade privada sem um processo legal. Com isso ele destruiu a base do antigo acordo entre os estados ignorando disposições constitucional que dava ao Congresso amplos poderes sobre os estados. A história justificadamente recuou diante da linguagem racista no caso Dred Scott, simbolizada na declaração de Taney de que os negros são universalmente entendidos como sendo tão inferiores que eles não tinham direitos aos quais o homem branco seria obrigado a respeitar.
O profundo relato do senhor Finkelman virtualmente eriça com a moral ultrajada. Este importante livro proporcionou um relato pertubador do sistema legal dos EUA que apoiou uma instituição imoral, embora sob o interesse e o pretexto em manter a União. Quando os juízes são seduzidos a colocar seus polegares na balança da justiça, por muitas vezes eles colocam o peso no lado errado da história./WSJ
Supreme Injustice: Slavery in the Nation’s Highest Court
Paul Finkelman
Editora – Harvard
Páginas, 287 preço,US$35
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