JOHN QUINCY ADAMS, SHAKESPEARE, E O DEBATE RACIAL NA AMÉRICA

Sexto presidente dos EUA John Quincy Adams

Com o grande debate sobre raça, iniquidade e abismo social acontecendo a nível nacional na América após a morte brutal do cidadão George Floyd por um policial na cidade de Minneapolis no último dia 25 de Maio, uma enorme luz foi colocada mais uma vez no tema cidadania, negritude e no papel dos pais fundadores com relação a raça nos Estados Unidos.

Os pais fundadores da América são altamente reverenciados. Com toda certeza esse enorme encômio é devido a Carta Magna, mas a referência é feita principalmente no que diz respeito ao famoso “Bill of Rights” (Leis dos Direitos), os dez primeiros artigos da Constituição. A Constituição foi outorgada com a escravidão correndo paralelamente com idéias liberais de liberdade e igualdade.

O que é desconhecido por milhões no país é que pelo menos 12 presidentes durante a formação da América eram escravocratas. Destes pelo menos oito eram donos de escravos durante o periodo que ficaram a frente do executivo.

Recentemente o periódico financeiro mais influente nos Estados Unidos, o “Wall Street Journal”, publicou no seu eclético caderno Cutural de final de semana chamado “Review”, um explêndido artigo assinado por James Shapiro sobre John Quincy Adams, o sexto presidente do país. Ele é professor de história da universidade Columbia de Nova York.

No artigo o autor desbanca um pouco a auréola do abolicionista. O presidente foi magistralmente interpretado pelo ator britânico Anthony Hopkins no filme Amistad de 1997.

O filme conta a história de um grupo de africanos capiturados em alto mar e levados para os EUA. John Quincy Adams na condição de ex presidente e um dos representantes na Câmara do Deputados litigou o caso dos africanos perante a Corte Suprema.

Otelo e Desdemona personagens de Otelo peça do dramaturgo Shakespeare

Logicamente que esta visão mais liberal realacionada a escravidão trouxe muitas dores de cabeça a John Quincy Adams além de muitas ameaças de morte. Uma destas dores de cabeça veio diretamente de um oponente no Congresso, o senhor Henry Wise, futuro general Confederado. O senhor Wise descreveu Adams “como o mais astuto, o mais esperto e um arqui-inimigo dos escravocratas no Sul”.

O destaque para o artigo ficou para a profunda repulsa que John Quincy Adams tinha relacionada a miscigenação. Apesar de ser considerado um entusiasmado abolicionista, bem educado e um liberal da Nova Inglaterra, ele era totalmente a favor da separação das raças. Ele não podia sequer pensar na idéia de um homem negro dormindo com uma mulher branca. Para John Quincy Adams os escravos deveriam sim ser livres, mas só não deveriam ser livres para dividir a cama com alguém de uma raça diferente. Neste caso logicamente nem pensar com uma mulher branca e “pura”.

Na ânsia em manter a pureza e imagem imaculada do ex presidente estes detalhes não são investigados profundamente pelos biógrafos. O sexto presidente tornou suas idéias públicas relacionadas a miscigenação num jantar em Boston com a atriz britânica Fanny Kemble que estava viajando pelo país com a apresentação da peça Otelo.

Profundo admirador do famoso dramaturgo britânico Shakespeare, John Adams disse a atriz no jantar que a peça era repugnante e que Desdemona mereceu sua morte porque se apaixonou por um “nigger”, um epiteto racista usado em relação a uma pessoa negra nos EUA.

É fato que John Quincy Adams contribuiu extraordináriamente para a formação do país. Entretanto, sua visão com relação a raça negra não pode ser mitigada ou minimizada somente para mantê-lo num pedestal imaculado. Suas idéias racistas que ainda circulam na mente de milhões no país devem fazer parte do registro histórico tanto quanto sua luta anti escravidão. A morte de George Floyd reacendeu um debate que jamais saiu de cena. Ele só estava descansando momentaneamente na coxia.