PROPAGANDA ENGANOSA

Direto de Washington

Quando saí do Brasil no início do ano de 1990 para Nova York, o publicitário mais conhecido na época era Washington Olivetto. Ele ficou Consagrado por inúmeros comerciais que durante anos marcaram não somente a indústria da propaganda, bem como eles tornaram-se parte intrísica da cultura nacional.

Não há exagero algum em dizer que em 2019 ele ainda é o Bam, Bam, Bam da publicidade brasiliera. Trabalhando há mais de 40 anos, Washington Olivetto é sem dúvida alguma o “Pelé” dos comerciais.

Cinco grandes exemplos da sua genialidade como publicitário são os comerciais das marcas: Valisere, Bombril,  yogurt Chamburcy, Banco Itaú e guaraná Taí.

O livro de memórias Direto de Washington – W.O. Por Ele Mesmo (2018) conta a trajetória do publicitário desde que aos 19 anos ele pediu trabalho para o dono de uma agência de propaganda depois que o pneu do seu carro furou em frente a agência, até sua parceria com a McCann, a poderosa agência de propaganda dos Estados Unidos.

O livro com quase 400 paginas (sem fotos) é recheado de histórias pessoais e profissionais mostrando seus grandes sucessos e aguns dos seus fracassos. Dividos em 21 capítulos mais o encerramento,  Washington Olivetto nos dá uma clara idéia do visionário que foi quando resolveu aos 19 anos abandonar sua faculdade para estagiar na sua primeira agência de propaganda.

O livro é também uma prova irrefutável como metade da população de um país que se “orgulha” de sua diversidade étnica e racial ficou completamente obliterada neste processo de consumidores em potencial.

Gothan Hall

Washington Olivetto ao lado de Allan Beaver W. e Bob Greenberg no Gotham Hall em NYC.

Não é segredo  para ninguém que as grandes agências de propaganda no Brasil desde sempre foram controladas por homens brancos tendo como principal alvo consquistar a parcela da população brasileira que pudesse se identificar com seus clientes e seus produtos. Afinal de contas, quem gostaria de ter seu produto associado a uma família negra ou consumidores negros?

Nestes 45 anos de profissão, Washington Olivetto ganhou os grandes prêmios nacionais e internacionais de propaganda que se pode imaginar. Fossem eles na Europa ou nos Estados Unidos. Os grandes centros de propaganda do planeta. Entre estes prêmios estao: Leão de ouro de Cannes e o Clio em Nova York, entre vários outros.

A grande e triste verdade é que estes importantes prêmios foram ganhos mostrando não a diversidade étnica e racial da população brasileira, mas um viés se não anglo-saxão (o que foi sempre o desejo de muitos no Brasil), pelo menos um viés totalmente branco ainda que latino.

ESPM propaganda

Washington Olivetto recebendo o título de professor emérito da ESPM

Se é verdade que quem decide o tipo de campanha que será executada pela agencia é o cliente, é verdade também que a agência (dependendo de sua influência) poderá sim “persuadir” o cliente a decidir entre este ou aquele protagonista. Em várias campanhas publicitárias Washington Olivetto influenciou quem protagonizou a propaganda.

Fica claro lendo o livro que o publicitário sempre teve uma enorme latitude quanto as pessoas que iriam aparecer nos seus comerciais. Sugerindo até mesmo o nome de atores e atrizes. O famoso comercial da Bombril e um bom exemplo. O protagonista deveria lembrar um pouco o ator Marcos Nanini. Esta decisão já riscava do mapa qualquer ator negro para o papel.

A partir do momento que começou a estagiar numa agência, Washington Olivetto juntou-se a um grupo de pessoas no Brasil com uma enorme influência cultural “vendendo” valores e idéias de consumo a um mundo totalmente “WASP” (Anglo-Saxão e Protestante em inglês). Para que isto pudesse ter sucesso, o negro brasileiro deveria ficar totalmente invisível nesta empreitada.

No livro Washington Olivetto cita as pessoas que mais o influenciaram profissonalmente como por exemplo José de Oiveira Sobrinho, o famoso Boni da poderosa TV Globo. Ele fala também como sua agència sempre foi encubadora de novos talentos. Entre eles estão: Regina Casé, filha de Geraldo Casé, o produtor do Sitio do Pica Pau Amarelo, Kim Ricelli, filho de Bruna Lombardi e Carlos Alberto Ricelli e o apresentador Luciano Huck. Para ficarmos em poucos. Nestes exemplos de criação de Capital Cultural e Capital Financeiro não há espaço para qualquer protagonismo negro.

Das inúmeras pessoas citadas por ele que se tornaram parceiras de negócios e muitas depois amigos pessoais, ele jamais cita pessoas negras influentes fora do lugar comum da música e  ou do futebol. Sabemos que é somente nestas areas onde se encontra o reduto da celebridade negra brasileira.

Há inúmeras passagens e histórias sobre cidades como Nova York, Londres, Paris, Rio de Janeiro, Barcelona, Veneza, etc. Washington Olivetto menciona também nomes de famosos restaurantes como o Cote Basque em Nova York, o La Coupole em Paris, e o Rodeio, um dos seus favoritos localizado nos jardins em São Paulo.

Fica a nítida impressão lendo o livro que o Brasil realmente nao é diverso, onde fora da África a maior população de negros se encontra no Brasil, ou fora do Japao a maior população de descendentes de japoneses  se encontra em São Paulo. Para ficarmos em dois grupos. Esta diversidade jamais foi vista nas centenas e centenas de comerciais criados por ele ou sua equipe.

Com todo seu brilhantismo e tino comercial, uma coisa ficou bem clara no Direto de Washington. O núcleo de agências e profissionais de propaganda no Brasil não passa de um enorme clube do Bolinha onde algumas meninas brancas aparecem em papéis secundários, e onde os negros são inexistentes mesmo sendo metade da população brasileira. O nome disto infelizmente é propaganda enganosa.

 

Direto de Washington – W.O. Por Ele Mesmo

Washington Olivetto

Editora – Estação Brasil

Páginas –  398