A HISTÓRIA DO ÚLTIMO ESCRAVO
Em 1931 a escritora afro-americana Zora Neale Hurston tinha nas mãos o seu primeiro livro intitulado Barracoon. Contava a história de Cudjo Lewis do Alabama, o último escravo vivo capturado no Continente Africano e levado acorrentado a bordo de um tumbeiro fétido para o Sul dos Estado Unidos.
As editoras nem deram bola para a história. As que se interessaram pediram a escritora que reescrevesse o livro tirando os dialetos africanos. O livro jamais foi publicado para o desespero dos historiadores e interessados no tema.

Zora Neale Hurston nos anos 1930
Zora Neale nunca tirou de sua cabeça a dramática história de Cudjo Lewis. Dez anos depois escreveu sobre ele na sua autobiografia, Dust Tracks on a Road. “75 anos depois ele ainda tinha aquele trágico senso de perda. Aquela busca pela conexão sanguínea e cultural. Aquela sensação de mutilação. Me deem algo para seguir conectado”.
Quase dez décadas depois de ser escrito, Barracoon verá a luz do dia. O livro finalmente será publicado pela editora Amistad, parte do conglomerado editorial Harper-Collins.
Com toda certeza este importante livro terá um grande impacto no legado de Zora Neale Hurston, considerada sem dúvida alguma uma das grandes escritoras afro-americana do século XX. Seus trabalhos mais reconhecidos são Their Eyes Were Watching God e Moses, Man of the Mountain. Ela foi também pioneira em estudar e gravar a história afro-americana numa época onde poucos se importavam com o tema considerando-o primitivo e sem importância cultural alguma.
Enviada para o Sul sob a tutelagem do renomado antropólogo Franz Boas da universidade Columbia em Nova York, que pediu a ela que entrevistasse Cudjo Lewis para o The Jounal of Negro History, quase desistiu por causa do clima hostil contra os negros nos Sul dos EUA.
Fazer este tipo de pesquisa principalmente no Sul do país era extremamente perigoso por causa das leis segregacionistas e da organizacao Klux Klux Klan (KKK) altamente ativa. Com apenas 30 anos e viajando sózinha várias vezes foi obrigada a dormir no seu carro com um olho aberto porque os hotéis se recusavam a receber pessoas negras nas suas acomodações. Ela também carregava em sua bolsa um revólver para sua proteção.
O título do livro e baseado nas barracas nas praias africanas onde os negros eram acorrentados antes de serem forçados nos fétidos tumbeiros. Barracoon conta a história da captura de Cudjo Lewis por guerreiros do reino de Daomé no Oeste da África.
Cudjo Lewis foi vendido por traficantes e levado para Mobile no Alabama (Sul) em 1859, mais de 50 anos depois do congresso dos EUA ter abolido o tráfico de escravos.

Cudjo Lewis ao lado de suas netas no Alabama.
Ele contou para Zora Neale sobre sua escravidão, seu aprisionamento, e sua libertação durante a Guerra Civil quando os soldados da União apareceram um dia e disseram a ele que daquele dia em diante não pertencia a mais ninguém. Cudjo Lewis juntamente com outros ex escravos fundaram a “cidade-africana”. Uma comunidade fundada e operada por africanos.
Durante os meses de entrevista com Cudjo Lewis, a escritora ouvia atentamente e pacientemente suas histórias sobre o Continente Africano e também sobre a vida nas plantações do Alabama.
Segundo a escritora foi um trabalho bastante árduo porque muitas vezes Cudjo Lewis sentia dificuldades em relatar os acontecimentos traumáticos de sua vida. Muitas vezes ele simplesmente não queria falar nada. Mas em outras vezes não parava mais. Por muitas vezes ela levava comida para ele esperando um momento certo para seguir com sua pesquisa.
“Ela queria que ouvíssimos sua voz mantendo com isto sua distância o máximo possível”, disse a renomada escritora Alice Walker que escreveu o prefácio do livro. ” Ela sabia que era fundamental para os leitores ouvirem a própria voz de Cudjo Lewis”.
Zora Neale Hurston costumava referir a Cudjo Lewis pelo seu nome africano, Kossola. Uma vez quando foi chamado por ela pelo seu verdadeiro nome seus olhos encheram-se de lágrimas, ele disse: “Ninguém me chama pelo meu nome do além mar, sómente voce”
Barracoon
Zora Neale Hurston
Editora – Amistad
208 páginas – US$16
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