“O Memorial Nacional Para Justiça E Paz” (National Memorial For Peace And Justice em inglês) inaugurado recentemente na cidade de Montgomery, no Estado do Alabama, foi projetado para homenagear os afroamericanos linchados durante décadas por aqueles que defendiam a supremacia racial branca nos Estados Unidos. Poderíamos fácilmente chamá-lo Memorial do terror.
O Memorial é uma antiga demanda da comunidade afroamericana para forçar a América a reconhecer uma de suas piores atrocidades direcionada especificamente contra os negros; particularmente nos estados do Sul.
Com o final do período conhecido como Reconstrução (1865-1877), chamado também de reunificação do país apos a Guerra Civil (1861-1865), os Estados confederados criaram suas próprias constituições estaduais juntamente com barreiras legais para impedir o avanço sócio-econômico dos ex escravos tratando-os como cidadãos sem qualquer direito constitucional.
Este período de terror amparado em leis segregacionistas e racistas implementada em todo sul do país ficou conhecida como a era “Jim Crow”. Entre 1877 e 1950 uma campanha sórdida de terror apoiada pelo Estado infiltrou as relações entre negros e brancos acarretando nos linchamentos de mais de 4 mil pessoas.
A magnitude destas mortes que em muitas vezes ocorreram por questões banais como por exemplo a morte de Park Banks apenas por carregar no seu bolso a foto de uma mulher branca; ou a morte de Mary Caleb Gadly linchada pela massa ignara depois de denunciar a morte do seu esposo. Ela foi pendurada de ponta cabeça, ateada fogo, e cortada ao meio enquanto seu feto ainda vivo caia no chão.
Muitos destes linchamentos eram motivos de verdadeiros pic-nics com direito a fotos ao lado dos cádaveres pendurados. São notórias também as fotografias tiradas nos linchamentos sendo usadas como cartões postais enviados a amigos e familiares.
Estas mortes deixaram cicatrizes tão profundas na comunidade afroamericana que ainda hoje elas podem ser sentidas por todos aqueles conectados com os mortos.
Segundo o advogado Bryan Stevenson, fundador da ONG “Iniciativa de Justiça Igualitária” (Equal Initiative Justice em inglês), e responsável por este importante Memorial, muitos dos nomes dos mortos que agora fazem parte do memorial jamais vieram a público antes.
Segundo reportagem publicada no periódico The New York Times, Bryan Stevenson e um grupo de advogados mergulharam de cabeça nas pequenas livravrias espalhadas pelos vários condados nos estados do Sul para documentarem as milhares de mortes ocorridas. Segundo o grupo foram catalogados mais de 4 mil linchamentos.
Baseado nos dois mais importantes memoriais do planeta, o memorial do Holocausto em Berlin, e o memorial do Apartheid em Johanesburgo, Bryan Stevenson decidiu por construir um memorial único onde o impacto seria ainda maior para dar uma idéia mais completa da dimensão do horror perpetrado.
Além dos nomes das vítimas escrito nas madeiras pinduradas no teto representando cada condado, o memorial colocou em pequenos jarros a terra onde os linchamentos ocorreram.
Segundo Bryan Stevenson, a idéia de construção do Memorial do Linchamento surgiu durante as décadas visitando as cortes no Alabama onde o sistema judiciário local ainda trata os cidadãos afroamericanos com crueldade e indiferença.
Há quase 30 anos a “Iniciativa de Justiça Igualitária” vem oferecendo serviços jurídicos para a população mais pobre dentro de um Estado ainda mergulhado em memórias, memorábilias, imagens, e comemorações aos soldados confederados. O Estado do Alabama tem o maior número de sentença per capta nos Estados Unidos.
Quase todos os advogados da organização tem um cliente no sistema carcerário. Eles mantinham o trabalho de representatividade ao mesmo tempo em que se dedicavam a criar a lista com os nomes das pessoas linchadas.
“Não estou interessado em falar sobre a história porque eu quero punir os EUA”, disse o advogado Bryan. “Na verdade , quero libertar a América”. “Acredito que é importante para nós fazermos isto como uma organização que criou uma identidade que esta totalmente disassociada o mais possível da punição”.
O Memorial do Linchamento não é um museu normal. Foi criado com o propósito de mostrar que a escravidão não terminou com a emancipaçáo dos escravos. A instituição continuou se tranformando com o trafico de escravos interno, com as décadas das leis segregacionistas, com os linchamentos, e por fim, nos dias atuais com a prisão em massa dos afroamericanos.
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