ESTANTE LITERÁRIA

PAUL ROBESON

CIDADÃO EXTRAORDINÁRIO

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Para entender um pouco melhor a turbulenta relação dos EUA com a comunidade afroamericana nada melhor do que mergulhar na história e no trabalho daquele que é considerado sem dúvida alguma o grande tenor, ator, e ativista pelos direitos humanos da primeira metade do século XX, Paul Robeson. Seja através da maneira esplendorosa como cantava “Spiritual Songs”, ou como atuava nos filmes, ou nos discursos feito principalmente na Europa no início do século XX. Seu desejo e o de milhões de cidadãos afroamericanos era por uma vida justa e melhor nos Estados Unidos.

Filho de ex escravo, Paul Robeson nasceu em 1898 no crepúsculo do século XIX na pequena cidade de Princeton, no estado de Nova Jersey (Norte). Estudioso, propenso as práticas esportivas, e dotado com o dom das artes, ele fazia parte do coral de sua escola, e aos 16 anos já interpretava o grande personagem Otelo, de William Shakespeare.

Apesar das fortes agressões psicológicas e racistas durante sua estadia na Universidade Rugters, Paul Robeson tornou-se um excelente aluno e um esplêndido jogador de futebol norte-americano. Graduando com distinção, seguiu seus estudos de pós-gradução na Universidade de Nova York (NYU), e depois na Universidade Columbia. Estas duas estão entre as mais ecléticas Universidades no país. Com o diploma de advogado debaixo do braço, desistiu da profissão depois que uma estenógrafa recusou escrever o ditado “de um criolo”.

Nesta mesma época mergulhou de cabeça nas Artes. Atuando em peças do dramaturgo Eugene O’Neill, aparecendo em concertos de música afroamericana, e ocasionalmente entrando nos gramados para jogar o “football”. É reconhecido até hoje como  um jogador de forma excepcional.

Em viagens pelo velho Continente atingiu patamares jamais conseguido por qualquer norte-americano. Os inglêses ficaram fascinados com sua beleza física e seu intelecto. Paul Robeson viajou também para Moscou, as duas Alemanhas, e Polonia. Sua popularidade era tão grande na antiga União Soviética que o grande diretor de cinema Sergei Eisenstein (Encoraçado Potemkin) queria fazer um filme especialmente com ele.

Depois de passagens pela Espanha, e uma rápida passagem pela Alemanha nazista, acreditava que a entrada dos EUA na II Grande Guerra Mundial era uma grande oportunidade para os norte-americanos mudarem a vida das pessoas ao redor do mundo, mas principalmente a vida dos afroamericanos.

Seu enorme sucesso em Nova York em 1943 onde apareceu na Broadway interpretando mais uma vez o personagem Otelo, fazendo com isto história ao fazer par romântico com uma mulher branca, não foi suficiente para mudar a estrutura racista do país.

Ao confrontar o então presidente Harry S. Truman num encontro na Casa Branca sobre as indignidades sofridas por soldados afroamericanos depois de voltarem da da Europa, ficou bastante decepcionado ao ouvir do próprio presidente que aquela não era a hora para qualquer avanço na direção dos Direitos Civis para os afroamericanos.

Paul Robeson Athlete denounce

Após este encontro tornou-se um fervoroso crítico do EUA e do racismo no país. Para ele os EUA eram altamente hipócritas ao enviar soldados afroamericanos para defender a democracia norte-americana lutando na Europa, mas ao retornarem para casa sofriam indignações diárias em seu próprio país. Por causa do seu criticismo, organizações como a NAACP (National Organization for Advancement for Colored People), a mais influente no país, deixou de apoiá-lo. Paul Robeson tornou-se persona no grata dentro do seu próprio país.

Em viagens ao exterior não perdia a oportunidade de criticar duramente os EUA. Principalmente nas suas viagens a União Soviética,dizendo que a riqueza norte-americana foi criada nas costas de imigrantes europeus e nas costas de milhões de afroamericanos.

Depois de uma dessas viagens seu passporte foi confiscado. Com isto o governo deixou Paul Robeson sem a menor possiblilidade de ganhar sua vida trabalhando. Praticamente isolado, ele conseguiu sobreviver através de entrevistas e alguns poucos concertos que eram reproduzidos ao vivo para diversos países. Mesmo com esse isolamento sua ferrenha crítica contra os EUA jamais diminuiu.

No final dos anos 50 seu passaporfe foi finalmente devolvido, e ele pode deixar o país seguir para Inglaterra onde conseguiu trabalho como ator e cantor. Mesmo com toda evidência mostrando todas as atrocidades cometidas por Stalin e seus sucessores, Paul Robeson voltou a Moscou para o delírio da população local.

Em rota para os EUA foi encontrado no quarto do seu hotel com os pulsos cortados. Levado para Londres recebeu tratamento antes de seguir para um melhor acompanhamento na Alemanha Oriental.

Em 1963 voltou para os EUA e viveu o restante de sua vida praticamente isolado de todos e com pouquíssima aparições em público até sua morte em 1976.

No Way But This

“No Way But This: In Search of Paul Robeson” do escritor australiano Jeff Sparrow é sem dúvida alguma uma viagem extraordinária na vida de um homem extraordinário. O que poderiamos chamar até mesmo de um cidadão mundial no sentido literal da palavra.

O escritor viaja para as localidades onde Paul Robeson esteve. Chegando até mesmo a ir para a Carolina do Norte (Sul) para saber como era realmente a vida de um escravo no Sul dos EUA. Neste livro ele mostra como o filho de um ex escravo consegiu aperfeiçoar-se nas línguas latinas, aprender Geometria, Trigonometria, e Economia Politica entre tantos outros temas. A busca pelo saber foi instilada por seu pai desde pequeno. Para seu pai, a única maneira de escapar da pobreza era através do trabalho duro – Trabalhando sempre mais duro do que qualquer homem branco para atingir um resultado igual.

Um destaque importante neste livro é a visita feita por Booker T. Washington, um ex escravo e fundador do famoso instituto para negros Tuskegee, a Casa Branca onde almoçou com o então presidente Theodore Roosevelt. Após saber do almoço, o então senador pela Carolina do Norte (Sul), Benjamin Tillman, afirmou o seguinte: “A ação do Presidente Roosevelt em recrear-se com aquele criolo necessitára que matemos mil criolos no Sul até eles aprenderem seus lugares.” Foi neste mundo extremamente racista que nasceu Paul Robeson.

O livro mostra o carisma, o espêndido ator, o maravilhoso cantor, o carismático orador, e acima de tudo o ativista pelos direitos humanos. Paul Robeson era a esperança global para um mundo melhor e mais justo.

Jeff Sparrow mosta o grande ícone em Moscou ao lado do diretor Eisenstein dizendo que pela primeira vez na sua vida sentia-se como um ser humano em toda sua plenitude.

A parte final do livro, e com certeza a mais dificil para o escritor foi saber que apesar de todo seu cabedal de conhecimento e tuda sua luta ele apoiava incondicionalmente Stalin. Isto de uma certa maneira acabou maculando sua imagem mundial. Isto vem mostrar também sua humanidade. Uma figura gigantesca como Paul Robeson tem várias interpretações.  Jeff Sparrow encontrou a dele.