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Vazante

VAZANTE

A Ferida Aberta da História do Brasil

Vazante, o brilhante e perturbador longa metragem de estréia da diretora Daniela Thomas foi recebido por duras críticas por parte da comunidade afrobrasileira reclamando bastante como a escravidão no seu filme foi mostrada.

Para estes críticos, um filme que tem como pano de fundo o período colonial no Brasil não pode deixar de mostrar os horrores da escravidão. Roberto Benigni sofreu as mesmas críticas por parte da comunidade judáica quando do lançamento do seu filme A Vida É Bela (1997), porque ao falar sobre o Holocausto não mostrou os horrores perpetrados pelos nazistas. Daniela Thomas sofreu da mesma visão zarolha ao meu entender. O filme Vazante claramente não é sobre a escravidão, mas ela está presente em todos os seus aspectos.

Vazante se passa no período colonial. Estamos na província das Minas Gerais. O ano é 1821 e a independência do Brasil esta batendo a porta. A história gira em torno do patriarca português Anonio (Adriano Carvalho), e sua pequena propriedade localizada numa área remota e estremamente árida.

Sua propriedade é gerenciada por Jeremias (Fabrício Boliveira), um escravo ladino com bastante conhecimento do solo e com o papel de mostrar aos africanos recem chegados como as coisas funcionam na nova terra. Um cena bastante comovente mostra a escrava ladina Felícia (Jai Baptista) que ainda se lembra de sua língua materna tentando alertar um escravo boçal que ainda respira sua antiga liberdade que sua revolta nestas circunstâncias é ilusória.

Encontramos Antonio pela primeira vez a caminho de sua fazenda descalço e montado num cavalo seguido por um grupo de escravos acorrentados recém adiquiridos numa chuva torrencial. A exceção de Antonio, todos eles fizeram o longo trajeto descalços direto do Mercado do Valongo no Rio de Janeiro até Diamantina. Ao chegar em casa Antonio recebe a triste notícia que sua e sposa e filho faleceram durante o parto.

Vazante mostra o patriarcalismo português com toda sua força durante o período colonial. A explêndida fotografia de Vazante filmada em preto e branco leva o expectador a sentir a atmosfera pesada e dura da vida diária onde os pequenos sinais de alegria são raros tanto para o senhor e sua família como também para os escravos.

Vazante 3

 

Antonio está sempre viajando tentando manter tudo funcionando. Mesmo sendo dono da propriedade local vemos toda sua dificuldade em manter a Casa-Grande. Os parcos móveis distribuídos pela casa e a má dieta alimentar de sua família mostram suas dificuldades fiduciárias.

Os horrores da chibata e as marcas das punições corpóreas não sao mostradas. Entretanto, é possível sentir nas expressões faciais dos escravos e nas suas vestimentas que o local foi construído sob a dureza do chicote. Jeremias o feitor sabe como manter a propriedade funcionando e os escravos trabalhando sob sua supervisão na ausência de Antonio.

Observamos os escravos trabalhando duro tanto na terra como dentro da Casa-Grande. A subserviência de todos em relação ao patriarca é bastante palpavél durante todo o filme.

Após a morte de sua esposa Antonio acaba se envolvendo com sua sobrinha Beatriz (Luana Nastas), uma pré adolescente entregue a ele sem relutância alguma pelo cunhado.

Antonio descarrega toda sua energia enquanto nao consume o seu casamento com Beatriz com a bela e inteligente Felícia mãe de alguns de seus filhos . A cena quando dela esta dormindo ao lado do seu filho adolescente Virgílio (Vinicius Dos Anjos) e Antonio chega a porta da senzala e o jovem acorda sua mãe que sai em silêncio para satistazer os desejos sexuais do seu dono é de arrepiar.

Vazante é um filme longo que toca profundamente em vários aspectos que marcaram significamente a formação brasileira. A sombra da escravidão em todas as relações. O patriarcalismo do senhor de escravos. A submissão das sinhazinhas. A luta diária dos escravos para manterem suas sanidades e suas vidas intactas sem receberam punições por qualquer pequena infração doméstica. A submissão sexual das mulheres sejam elas livres ou escravas a vontade do patriarca. A miscigenação sempre presente por causa das relações sexuais entre brancos livres e negros escravos. Esta mesma miscigenação trará ao patriarca um estigma impossível de apagar.

Todos estes importantes detalhes nao escaparam o olho da diretora nesta bela obra cinematográfica.